Barbosa Xavier
A seção recebe textos de alunos, professores e convidados com o próposito de estimular o pensamento crítico e o debate através das mais variadas correntes.
Os textos são de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do CAADM.
No dia 13 de março do ano corrente, o Brasil inteiro foi surpreendido com a triste e chocante notícia de um massacre ocorrido em uma escola pública na cidade de Suzano, no interior paulista.
Quase que instantaneamente se proliferaram pelas redes sociais um conjunto de informações, opiniões e tentativas de explicações para o caso, que acabaram muitas vezes culminando em debates acalorados, inclusive no WhatsApp do Centro Acadêmico de Administração, acerca da liberação ou não, da flexibilização da posse de armas no Brasil.
Nesse sentido, se faz necessária uma reflexão mais acurada acerca do assunto, visando ultrapassar percepções simplistas e polêmicas que não contribuem na construção de um diálogo profícuo que promova uma aprendizagem coletiva e colaborativa. Para tanto, pretendemos analisar de forma panorâmica, o que intitularemos de modelo norte-americano e de modelo britânico ou inglês. Os quais, se referem as diferentes formas que tanto os Estados Unidos e o Reino Unido passaram a se comportar após massacres semelhantes em seus países.
Escultura icônica antiguerra na frente do edifício-sede das Nações Unidas. |
Em 2018, no dia 23 de janeiro, após um caso semelhante ocorrido numa escola em Benton, no Estado do Kentucky (EUA), um estudante matou dois colegas e deixou outros 14 feridos, sendo na época o terceiro tiroteio em uma escola norte americana em 48 horas e o 11º desde o início do ano. Foi proposta uma solução para a questão por senadores do Estado de Michigan, um projeto de lei que visava armar os professores de escolas primárias, secundárias e de ensino médio, os quais teriam permissão para manterem armas em um local sigiloso dentro da sala de aula para proteger os estudantes em situações como essa.
Mesmo depois de tantos casos de ataques em locais públicos, que contabilizam mais de 200 no país desde 2013, vários Estados norte-americanos aprovaram o projeto para armar os professores. Isso não deve resolver o problema, que é pessoas comuns andarem armadas, já que o armamento é liberado nesse país, matando outras pessoas. Porém, por questões culturais envolvendo a valorização do direito à liberdade do cidadão nos Estados Unidos se torna muito mais complexa e difícil uma mudança de legislação que vise a restrição do uso de armas no país.
Entretanto, devemos pensar que entregar uma arma na mão de um professor, no contexto brasileiro, não resolverá o real problema.
Depois da tragédia de Suzano, a “solução” norte-americana encontrou eco aqui no Brasil, através do Major Olímpio, senador paulista pelo PSL. O qual, declarou na imprensa brasileira que se os professores e funcionários da escola estivessem armados o massacre seria minimizado. Entretanto, devemos pensar que entregar uma arma na mão de um professor, no contexto brasileiro, não resolverá o real problema. O qual é muito mais complexo, que vai desde a inefetividade das políticas de segurança pública, o aumento da miséria e da desigualdade social, o baixo nível de escolaridade da população e um sistema educacional público precário, onde os professores atuam em escolas sem estrutura adequada para promover um ensino de qualidade. Adotar um discurso armamentista no Brasil, é temerário e evidência somente a falência de nossos governantes e de nossa sociedade na resolução de seus problemas.
Dois dias depois do caso Suzano, dia 15 de março, duas mesquitas localizadas na cidade de Christchurch, na ilha sul da Nova Zelândia, sofreram atentados simultâneos com armas de fogo, que infelizmente vitimaram 50 pessoas e deixaram outras 48 feridas. Da mesma forma que no Brasil, a questão reviveu o debate sobre as leis que regem a posse e o porte de armas no país. Entretanto, em um país com um dos melhores índices de escolaridade e educação do mundo, preferiu atacar o que considerou o real problema, liderados a primeira-ministra do país, Jacinda Ardern, decidiram restringir em vez de liberar o uso de armas, visando reformar as leis atuais sobre o assunto. Com isso, a Nova Zelândia passa a adotar um modelo inspirado no Grã-Bretanha.
Trecho do vídeo documentário lançado em 2018 sobre a tragédia de Dunblane, na Escócia (1996). |
No Reino Unido, depois de um massacre em 13 de março de 1996, em uma escola escocesa, na cidade de Dunblane, o qual morreram 16 crianças e um professor, promoveram uma revisão de suas leis sobre o tema. Mesmo o país tendo uma das leis mais restritivas do mundo em relação a posse de armas, o Parlamento por iniciativa do governo britânico em 1997, aprovou um endurecimento ainda maior na legislação. Como fruto dessa política, a Grã-Bretanha tem um dos menores índices de homicídios por armas de fogo em todo o mundo. Segundo os dados mais recentes divulgados pelo Escritório Nacional de Estatísticas do país, apenas 29 pessoas morreram por lesões causadas por projéteis durante todo o ano de 2018.
Então, o Brasil deveria considerar a ideia de seguir o exemplo da Nova Zelândia, e adotar o exitoso modelo britânico de restrição da posse de armas no país, com um endurecimento ainda maior da legislação. Além de um combate mais efetivo aos reais problemas brasileiros, através de políticas públicas mais efetivas e planejadas, que atuem em longo prazo e de forma contínua nas áreas de segurança e educação.
Logo, pensar e defender a adoção do fracassado modelo norte-americano em nosso país, o qual não resolveu a questão da propagação de massacres por armas de fogo em seu território, é um contrassenso e um equívoco tremendo que pode conduzir o Brasil a um dos piores erros de sua história, a flexibilização da legislação sobre o tema e a revogação do estatuto do desarmamento.
https://g1.globo.com/mundo/noticia/apos-11-ataques-a-tiros-em-escolas-eua-debatem-se-professores-devem-dar-aulas-armados.ghtml
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/major-olimpio-diz-que-tragedia-em-suzano-seria-evitada-se-professores-estivessem-armados.shtml
https://exame.abril.com.br/mundo/neozelandeses-entregam-voluntariamente-suas-armas-apos-massacre/
https://www.bbc.com/portuguese/geral-47568103
https://noticias.r7.com/brasil/mourao-lamenta-massacre-em-suzano-e-culpa-games-violentos-13032019
https://veja.abril.com.br/blog/impavido-colosso/em-ranking-da-educacao-com-36-paises-brasil-fica-em-penultimo/
https://veja.abril.com.br/brasil/tiroteio-deixa-feridos-em-escola-estadual-de-suzano/
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